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TJES afasta audiência de testemunhas e autoriza registro de testamento com consenso dos herdeiros
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O Tribunal de Justiça do Espírito Santo – TJES autorizou o registro de um testamento particular sem a necessidade de audiência com testemunhas, diante do consenso entre os herdeiros e da comprovação documental da vontade do testador. A decisão considerou a importância da valorização da autonomia privada e da simplificação dos procedimentos sucessórios.
No caso dos autos, os herdeiros, todos capazes, concordaram integralmente com o conteúdo do testamento particular deixado pelo falecido e optaram pela realização do inventário pela via extrajudicial. Diante da impossibilidade do registro pela via extrajudicial, foi postulado judicialmente o registro do testamento.
Na ação de registro de testamento, as partes afirmaram que pretendem cumprir integralmente o testamento e reconhecem a validade do negócio jurídico e a vontade do testador, fazendo juntar, ainda, declaração das três testemunhas testamentárias, com as respectivas firmas reconhecidas.
Nas declarações, as testemunhas relatam que assistiram à leitura do testamento, que o testador estava convicto das deliberações que efetuou, reconhecendo o instrumento jurídico assinado por todos conjuntamente e na mesma ocasião.
Apesar disso, o juízo de origem determinou a realização de audiência para a oitiva de testemunhas testamentárias, com base na literalidade do artigo 1.878 do Código Civil. A audiência ocorreria aproximadamente quatro meses depois da instauração do inventário extrajudicial e sete meses da propositura da ação de registro de testamento.
Interpretação
O advogado e professor Rodrigo Mazzei, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, atuou no caso. Ele explica que o agravo de instrumento contra a decisão teve como fundamento o fato de que o dispositivo do CC teve sua aplicação afastada, considerando que os arts. 735 a 737 do CPC passaram a regular integralmente o procedimento de registro de testamento, tornando a audiência desnecessária em situações de consenso.
“A oitiva das testemunhas é desnecessária quando todas as partes interessadas concordam completamente com os termos das disposições testamentárias e há prévia confirmação das testemunhas acerca da sua assinatura no testamento, assim como acerca da higidez de vontade do testador e dos termos do ato de última vontade que lhes foi apresentado”, pondera.
Segundo Mazzei, o recurso também deixou claro que a diligência, na forma traçada pelo juiz, contrariava a própria marcha acelerada prevista para o inventário, conforme determinado pelo art. 611 do CPC, que prevê o prazo de doze meses para a finalização de todo processo sucessório, prazo este contado da abertura da sucessão. “Sem a nomeação do testamenteiro, as ordens testamentárias não poderiam ser cumpridas, embaraçando todo o inventário.”
“Além disso, a ausência de registro do testamento inviabilizava o prosseguimento regular do inventário no cartório extrajudicial, que, diante da omissão, recusava-se a proceder à nomeação do inventariante. Tal circunstância compromete de forma direta a continuidade do procedimento e obstrui a própria administração provisória da herança, frustrando os atos essenciais à tutela do acervo hereditário e à observância da vontade do testador”, comenta.
Ao avaliar a questão, o desembargador da 3ª Câmara Cível do TJES dispensou a audiência por considerar necessária a interpretação adequada do art. 1.878 do Código Civil, regra esculpida anteriormente ao movimento de desjudicialização dos inventários sucessório e abraçada pelo CPC 2015, realçando, no sentido, que a exigência não foi repetida no art. 737, § 2º, da codificação processual em vigor.
Desjudicialização
Rodrigo Mazzei explica que a decisão faz interpretação simbiótica do Código Civil e Código de Processo Civil – CPC, conectando-os à realidade da desjudicialização dos processos sucessórios. “Apesar da legislação atual não permitir o registro do testamento pela via extrajudicial, a decisão confere interpretação adequada ao art. 1.878 do Código Civil quando se estiver diante de inventário extrajudicial.”
“Seguindo a linha da decisão, caso fique evidenciado que todas as partes são capazes, estão concordes e não contestam a vontade do testador, não há justificativa para a oitiva das testemunhas testamentárias em audiência judicial, especialmente como no caso apresentado, em que todas as testemunhas declararam por escrito que participaram do ato e que atestam que o testamento representa a vontade que foi externada pelo testador”, observa.
Mazzei afirma que há, na decisão, a valorização da autonomia privada do testador e também do inventário extrajudicial, evitando que uma audiência judicial desnecessária cause retardo injustificável no desfecho do inventário sucessório.
“Olhar mais atento vislumbrará que a decisão expõe a inaceitável manutenção de sistema bifásico envolvendo o inventário e o registro do testamento, sendo exigida a abertura de dois procedimentos distintos, o primeiro com a opção extrajudicial, mas o segundo apenas com a trilha única judicial. A divisão em dois procedimentos, além de custos mais elevados, acaba por criar ambientes propícios ao atraso na conclusão do processo sucessório, muito embora este tenha que se finalizar, ao menos segundo disposto no art. 611 do CPC, em doze meses da instauração do inventário extrajudicial”, afirma.
Na visão do advogado, a decisão também ratifica a necessidade de alteração legislativa. Ele cita a proposta de Reforma do Código Civil e diz que o procedimento para registro do testamento pela via extrajudicial está previsto no texto projetado e advindo do Senado Federal.
Consenso
Rodrigo Mazzei entende que a equação “Tempo e Processo” é fundamental, notadamente em processos que trabalham com ambientes de divisões patrimoniais e/ou sensíveis conflitos. “Não por acaso que ao inventário sucessório é imposto um procedimento sumário temporal, que deve se encerrar em doze meses.”
Ele pontua que a duração razoável do processo, um direito do cidadão com garantia constitucional, deve ser observado com atenção especial nos inventários sucessórios. “A realização de audiência desnecessária, além de retardar injustificadamente o processo sucessório, aumenta os custos da sucessão.”
“O alargamento inapropriado do tempo processual pode abrir espaço para litígios que não ocorreriam, caso o desfecho da sucessão ocorresse no tempo adequado. Por exemplo, partes que não possuem conflitos com a sucessão em si podem discordar da forma com que a administração da herança está sendo feita e/ou a alocação de recursos recebidos pelo espólio”, acrescenta.
De acordo com o advogado, o testamento é um instrumento utilizado para facilitar a sucessão e torná-la mais operativa, com resultado efetivo e seguro para os sucessores.
Ele conclui: “É uma contradição imaginar que a sucessão sem testamento pode se desenvolver de forma mais simples e célere, resolvendo-se totalmente de forma extrajudicial, ao passo que a sucessão desenhada pelo autor da herança em testamento tenha que se submeter a dinâmica mais morosa e com exigências formais contrárias à noção de duração razoável do processo e incompatíveis com as diretrizes de desjudicialização e da prevalência da autonomia privada”.
Por Débora Anunciação
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